Olhares sobre a ideia do desenvolvimento rural e sustentável
Como contar a história da história de construção de um livro?
O presente livro nasce de um desafio e de um desejo. O desafio de revisitarmos uma palavra-conceito-categoria essencial para a produção do ser Prodema. E um desafio-desejo de contemplar e agregar a somação de esforços no sentido de enxergar em qual tempo histórico os que fazem esse programa estão, em específico, os autores-escritores da presente obra, no que se refere a revisitação do conceito-categoria e na forma da sua materialidade ao associá-la a realidade concreta dos estudos empíricos e/ou ao buscar o mergulho na literatura que aponte caminhos, pontes, outras formas-leituras para o conceito e a sua pluralidade, dimensionalidade e complexidade.
O leitor tem em suas mãos uma coletânea de capítulos escritos por pessoas, seres humanos de distintas histórias e origens, pesquisadoras e pesquisadores, com amplas áreas de formação acadêmica, com um componente comum: integram o Prodema. Para além dessa base comum, cada escrita traduz o tempo histórico dos seus autores, as suas distintas formas de enxergarem a ideia de (des)envolvimento e como, a partir das suas pesquisas, contribuem para requalificar a multidimensionalidade dessa palavra-categoria orientadora das atividades de ensino, pesquisa e extensão do programa.
Em seu conjunto os capítulos aportam sobre essa diversidade das pesquisas na sua constante busca para a compreensão e o fazer análise crítica-reflexiva da realidade, como no desafio de contribuir na/para a ressignificação de conceitos, com outras abordagens-leituras da realidade, como também auxiliar na proposição de políticas públicas, na organização de grupos sociais subalternizados e da sociedade mais ampla.
Uma característica da presente obra, se traduz na diversidade de temas, no recorte temporal, espacial e empírico e no aporte referencial pesquisado para subsidiar os procedimentos teóricos metodológicos e as abordagens filosóficas. Uma abordagem plural em um programa plural.
O livro é composto por três seções. Na primeira, composta por três capítulos, tem-se a publicização de pesquisas utilizando metodologias de natureza aplicada.
Para ponderar sobre a ressignificação da leitura e análise do resultado de dados coletados, no primeiro capítulo intitulado: “Uma análise bibliométrica da temática desenvolvimento rural e sustentável no contexto mundial”, os autores: Márcio Eric Figueira dos Santos; José Sérgio Filgueiras Costa e Núbia Dias dos Santos, investigam a partir da ferramenta do Scopius, a produção científica mundial sobre a temática desenvolvimento rural sustentável associada aos ODS. Evidenciam a primazia das publicações dos cientificas e pesquisadores chineses seguido dos norte-americanos, indianos, britânicos e indonésios. Tais resultados sinalizam, de um lado, o paradoxo e a dualidade entre a densidade no número de publicações existentes nas revistas científicas e a relação direta do modelo de metabolização da natureza pelo capital com a sua propagação como algo benéfico e positivo para a sociedade e demais formas de vida, em detrimento da relação efetiva desses países, nas suas relações de poder na geopolítica mundial e do seu modelo de organização do espaço rural, com os efeitos socioambientais nacionais e globais amplamente conhecidos.
É possível mensurar a sala de aula na/da pós-graduação como um laboratório? Um laboratório de ensino? Com base no presente questionamento o segundo capítulo “Convergências Ecológicas e Revolucionárias a partir de François Chesnais: Outros Olhares na Análise da Crise Socioambiental” é conduzido para evidenciar, como se processa os componentes basilares de uma postura ecológica, ecopolítica, ecossocialista enquanto pilares revolucionários. Os autores, Márcio Eric Figueira dos Santos; Caciana Costa Feitosa e Núbia Dias dos Santos expõem, com base nas proposições do economista francês François Chesnais, como as experiências empíricas e participativas nas aulas da pós-graduação no programa de desenvolvimento e meio ambiente, contribuem para sedimentar conhecimentos e reflexões teórica-filosóficas-metodológicas sobre as temáticas e as questões ambientais. Com base nas reflexões críticas, discute-se a crise socioambiental embasada no modelo capitalista de produção e na colonialidade como instrumento de apartação das distintas formas de vida e seus desdobramentos ecossistêmicos contemporâneos. As experiências e diálogos realizados em sala de aula foram mensuradas a partir do uso da ferramenta do Mentimeter para a elaboração da nuvem de palavras e a síntese crítico reflexiva ambientada na representação do mapa mental.
Os autores do terceiro capítulo, Ketylen Vieira Santos, Robson Andrade de Jesus, Jailton de Jesus Costa e Raimundo Rodrigues Gomes Filho, se debruçam sobre a temática da “Agricultura Brasileira e a Agenda 2030: Modelos de Produção Alternativos para o Desenvolvimento Sustentável”. Com base em uma pesquisa de natureza aplicada, realizam uma reflexão correlacionando a modernização da agricultura pautada na Revolução Verde e os problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes deste modelo de organização. Apontam a relevância da agroecologia como forma de organização da produção de cultivos alimentícios em bases teórico-filosóficas e metodológicas sustentáveis existentes na agricultura brasileira, como estratégias e caminhos para se repensar a organização da vida produtiva no campo. Se utilizam de um aporte metodológico para pontuar a existência de quatro modelos de agricultura de bases sustentáveis: agroflorestal, agroecologia, agricultura familiar e policultivo. Ressaltam como as temáticas da agroecologia se sobressaem na base de dados da Directory of open Acess Journals (DOAI), demonstrando a relevância da temática para a superação do atual modelo monocultor em curso.
Na segunda seção, os três capítulos que a compõem, tratam de estudos comparados de natureza exploratória.
No quarto capítulo, as autoras Maralysa Correia de Souza Cavalcanti, Millena Moreira Fontes, Maria José Nascimento Soares e Núbia Dias dos Santos, realizam a reflexão intitulada: Os Transgênicos pelo Viés da Sustentabilidade: desenvolvimento e controvérsias segundo a filosofia de Hugh Lacey . Com base em estudo de natureza exploratória, adentram no debate sobre os transgênicos a partir da filosofia de Hugh Lacey. O capítulo expõe as ideias do filósofo e os estudos por ele utilizado para elaborar uma abordagem comparativa entre o uso dos transgênicos na produção de alimentos-mercadorias, aportados na tecnociência, com a produção agroecológica, ainda carente de reconhecimento do seu potencial para a produção da vida, de alimentos e de uma relação simbiótica do ser humano enquanto natureza. O debate transita entre a preponderância da visão dicotômica e cartesiana sociedade-natureza, motivada pela parcialidade e promotora de enganos, quando compara bases distintas de produção alimentícia e já previamente define a primazia entre as duas modalidades pesquisadas, ao evidenciar a natureza sem direitos, na condição moderna de mercadoria. Eleva-se, assim, a abordagem da produtividade dissociada dos múltiplos efeitos socioambientais decorrentes da produção monocultura transgênica, ao tempo em que as bases filosóficas, simbólicas, éticas, holísticas, cósmicas e ancestrais associadas a agroecologia, enquanto ciência, modo de produção e filosofia de vida, ainda carece de aporte da tecnociência na mesma simetria.
No quinto capítulo, Juliana Gois Souza, Alceu Pedrotti e Brisa Marina da Silva Andrade, refletem sobre “As Normas Sobre Segurança no Trabalho Aplicáveis ao Contexto dos Agricultores Familiares”. Consideram como as transformações no mundo do trabalho, aliena e distancia, paradoxalmente, os trabalhadores e trabalhadoras familiares, da sua condição de sujeitos e sujeitas de direitos. No âmbito brasileiro, a vasta legislação atinente ao tema dos direitos trabalhistas dos camponeses e camponesas, em seu conjunto, desconsidera a diversidade de atividades laborais praticadas por essa classe social, como forma de garantir a sua reprodução. De um lado, a própria legislação, limita o seu alcance e efetividade e, de outro, as relações assimétricas e de poder entre capital x trabalho no campo brasileiro, completa o cenário, sobrepondo a exploração e a sobrevivência ao direito.
O capítulo seis, aborda as “Condições de Trabalho no Cultivo do Milho em Assentamentos Rurais no Município de Simão Dias – SE”. Os autores Juliana Gois Souza, Alceu Pedrotti e Brisa Marina da Silva Andrade, a partir de um estudo empírico, revelam como o modelo monocultor adentra o universo camponês. Entre os paradoxos, tem-se, o monocultivo do milho em dois assentamentos de reforma agrária; a subsunção do camponês à lógica do capital agroindustrial, e a sua condição de mero trabalhador para a reprodução ampliada do capital, destituindo-o do conhecimento e/ou das condições financeiras para gerir a sua própria segurança laboral, enquanto as entidades de classe e representantes públicos se eximem da responsabilidade pelo aporte de assistência técnica e orientação para os cuidados com a vida, o ambiente, a natureza. Nesse contexto, os autores elucidam como na condição de trabalhador para o capital, os assentados convivem com precárias condições de trabalho, realizam atividades laborais que geram riscos físicos, ocupacionais, a sua saúde e ao ambiente, numa região com maiores índices de desenvolvimento agrícola do estado de Sergipe. Assentamento inserido no modelo econômico desigual e combinado, sem assistência técnica e sem a presença de um Estado de bem-estar social.
Na terceira e última seção, composta por quatro capítulos, tem-se pesquisas aplicadas, comparadas e de caráter experimental.
O Capítulo sete, intitulado “Análise do Ciclo de Vida e dos Aspectos Ambientais no emprego de bagaço de cana-de-açúcar como geração de energia para o processo de produção de suco de laranja”, os autores Artur Taqueda Melo, Aline Medeiros de Lima e Paulo Sérgio Melo dos Santos, realizam um estudo de natureza aplicada. Os autores, se utilizam da análise de impacto ambiental com base no software Waste Reduction (WAR) algorithm para avaliar escolhas de combustíveis renováveis, mais adequados do ponto de vista econômico e ambiental, para a produção e processamento do suco de laranja no Estado de São Paulo. Apontam para os benefícios econômicos e ambientais, do uso do bagaço da cana-de-açúcar, em substituição ao gás natural, contribuindo para a redução dos impactos ambientais na emissão de gases de efeito estufa, no processo de industrialização do suco em análise.
No Capítulo oito, Brisa Marina da Silva Andrade, Alceu Pedrotti e Jéssica Fernanda da Silva, abordam a “Eficiência energética da produção forrageira de milho verde sob a ótica sustentável: análise da literatura a partir do olhar da agenda 2030”. Trata-se de um estudo com base nos fatores que influenciam a eficiência técnica para a produção de milho verde, em Sergipe. Refletem como a agricultura moderna se constitui em atividade singular na geração de impactos sobre a natureza – recursos naturais, nas mudanças climáticas, na biodiversidade e na segurança alimentar. Reafirmam o lugar primaz da agricultura familiar como fundamental para o desenvolvimento econômico sustentável do espaço rural como oportunidade de favorecimento da segurança alimentar, dos meios de subsistência, melhor gerenciamento dos recursos naturais e proteção do meio ambiente.
No Capítulo nove, “Análise comparativa da Gestão de Recursos Hídricos entre Brasil e Alemanha” de José Carlos Benício do Nascimento Filho, Ketylen Vieira Santos e Luciana Moraes do Nascimento Argôlo, os autores refletem sobre a questão hídrica vinculada a geopolítica regional e o seu lugar primordial para a manutenção da vida planetária e na promoção do desenvolvimento sustentável com a primazia da governança para a garantia dos seus múltiplos usos. Analisam como os agentes, agência, instituições e os agentes públicos disciplinam e fomentam o uso dos recursos hídricos, verificando a sua efetividade nos dois países pesquisados.
No Capítulo dez, os autores, Felipe Cardoso de Argôlo, Luciana Moraes do Nascimento Argôlo e José Carlos Benício do Nascimento Filho, analisam a “Geração de energia elétrica através dos sistemas fotovoltaicos on-grid e off-grid como alternativa para diminuição do impacto ambiental”. Com base no atual modelo de produção da vida, analisam como as fontes de energia estão vinculadas aos problemas ambientais modernos. Em relação ao Brasil, com uma matriz energética ainda baseada no uso de combustíveis fósseis, produtora de gases de efeito estufa, responsável pelo aquecimento global, evidenciam os benefícios de se utilizar da localização estratégica do país em relação a posição do sol, para adentrar na produção e consumo de energias alternativas de fontes renováveis e sustentáveis, com base na energia solar, em razão da baixa emissão de carbono e por ser considerada uma energia limpa, no processo de sua transmissão. Apontam o funcionamento do sistema on-grid e off-grid, suas especificidades para cada segmento de consumidor.
Almejamos uma excelente leitura e reflexão. Que a presente obra contribua para instigar novas e instigantes pesquisas e atividades de ensino e extensão, envolvendo a relação do ser humano com a casa comum, com os demais viventes e com a sua própria espécie e existência.
Que nossas pesquisas anunciem um Programa comprometido com o envolvimento.
Namastê!
Saudações!
Axé!
Núbia Dias dos Santos