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Os vestígios sociais do feminicídio na literatura brasileira

O livro que agora nos chega, de autoria de Carlos Magno Gomes, apresenta o tema do feminicídio em cinco autoras brasileiras. Depois de o autor ter pesquisado o assunto em várias autoras hispânicas, mostrando como o assunto faz parte das sociedades afins, Gomes seleciona cinco escritoras brasileiras que fizeram desse tema a razão de ser de alguns de seus textos. Clarice Lispector, Marina Colasanti, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon e Patrícia Melo são aqui analisadas sob o enfoque do feminicídio. Contos e romances dessas autoras compõem o resultado de uma pesquisa detalhista, que não se limita ao corpus literário, uma vez que se trata de um crime presente na sociedade brasileira. Essa interrelação literatura\sociedade faz parte da preocupação do autor, que se valeu da leitura de sociólogos/as e antropólogos/as, além de críticos literários, para evidenciar a atualidade do tema e sua importância no contexto social.
O autor foi muito feliz ao criar o termo “monolinguismo machista” para se referir à violência contra a mulher. Muito interessante a leitura que ele faz do conto de Clarice Lispector, “Língua do p”, quando consegue destrinchar o comportamento da personagem feminina diante da atitude machista dos personagens masculinos. Marina Colasanti é analisada por meio de vários contos, nos quais a mulher é sempre o corpo punido. Lygia Fagundes Telles comparece com o conto “Venha ver o pôr do sol”, enfatizando o monolinguismo machista do personagem masculino. Aqui só tenho uma observação a fazer: embora fique muito clara a dominação masculina, a morte da mulher não se realiza de fato. Lygia gostava muito de terminar com dubiedade seus textos. Nélida Piñon com o conto das “Mil e uma noites” realiza a escrita da liberdade, uma vez que a personagem feminina se livra da dominação masculina através das histórias narradas. Patrícia Melo, a única autora contemporânea estudada, comparece com O matador e Mulheres empilhadas. Neste último, feliz escolha do autor, até a narradora tem sua mãe assassinada pelo pai. Excelente seleção de textos literários, onde se percebe a preocupação das autoras em defender os direitos das mulheres.
Pelo valor das obras analisadas pelo autor e pela qualidade do discurso analítico, Os vestígios sociais do feminicídio na literatura brasileira é um texto que se lê com prazer e com a certeza de que ele contribui para diluir o monolinguismo machista da nossa sociedade.

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